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domingo, 8 de março de 2015

Valente, torre e poder feminino



  Uma princesa presa numa torre, guardada por um terrível dragão. Até que um cavaleiro de armadura reluzente a liberta, derrotando o dragão. E vivem felizes para sempre.
  Todos conhecem essa história, mas será que as coisas são tão simples e unilaterais? O que acontece quando não há cavaleiro para resgatar a princesa? Ela viverá eternamente em uma torre? Será incapaz de ser feliz? Viverá pelo capricho de uma fera e a ausência de um destino favorável? Os contos de fadas deveriam retratar a realidade em seu nível simbólico mais elevado. Mas talvez ele seja uma das maiores realidades ignoradas em nossa sociedade. A história de que torna impotente incontáveis mulheres desde criança: Que elas não são capazes de sair da torre ou de derrotar o dragão.



  As mulheres são facilmente condicionadas por duas ideias na infância: ser externamente lindas e achar seu príncipe encantado. Mas isso não significa lutar por um ótimo futuro, mas ficar preso a uma realidade imaginária. Sua liberdade é tragada no nascimento, quando são prometidas à um homem que, supostamente, conhecerão. A torre representa todas as prisões sociais em que foram encarceradas. E sua felicidade e completude, foi encarcerada na figura masculina. Sua maior prisão é o modelo de felicidade feminina. E entramos na torre.
  Em Promethea, quando ela e Bárbara estão escalando a Árvore da Vida, passam pelo 27º Cineroth, guiadas por Austin Spare, ao verem pessoas caindo de um torre, como é retratado na maioria dos tarots. Eis o diálogo:

Bárbara: Ei, o que é aquilo ali? Quero dizer, aquelas pessoas estão caindo. Não deveríamos ajudá-las?

Austin Spare: Não há motivo nenhum, Bárbara, minha querida. Eles estão sempre caindo. Essa é a iluminação da Torre, o símbolo do caminho 27. É a torre em cada homem ou mulher que já construíram... um edifício, um casamento, uma carreira... algo que se pretendia alcançar o céu.



  Essa é a Torre. Todas as nossas criações e tentativas de sermos plenamente felizes através de algo que por si só, não traz felicidade. Casar não vai trazer felicidade, muito dinheiro não vai trazer felicidade, um emprego também não. São falsas ideias de que a felicidade está nesses produtos sociais, mas casamento significa divisão e conflito, dinheiro significa responsabilidade em administra-lo e emprego significa estress. A felicidade está no seu coração. Quando você você ama a pessoa com que se casou e sabe conviver com ela entre o fluxo de mudanças que a vida dá, quando você ama o trabalho que você faz, mesmo que ele te estresse, quando o sorriso no fim do dia vale a pena. A felicidade não está nessas coisas. Está na compatibilidade da sua Essência com essas construções. Caso não esteja, elas vão ruir como a Torre do tarot.
  No caso da mulher, sua principal torre é sua sexualidade. Ela nasceu como um objeto prometido e precisa se comportar como o prêmio que, desde cedo, lhe ensinaram que era. Precisa permanecer comportadamente em sua torre.
  Na cultura brasileira, essa diferença fica muito evidente quando se observa os comentários sobre as mesmas atitudes no mundo masculino e feminino. O homem, para ser macho, precisa conquistar, ou melhor, pegar, comer, fuder, o maior número de garotas possível. Chegar aos 18 anos virgem é um sacrilégio no mundo masculino. Esperar por alguém especial, nem se fala.
  A mulher não possui o mesmo direito social. Porque se assim o fizer, se torna uma vadia. Seu valor como objeto de desejo se perde.



  A princesa, ao ser salva da torre, deve sua vida ao cavaleiro, é dele por direito, e sua única "escolha" é viver conforme as regras e desejos dele. Sai de uma prisão para outra.
  Por outro lado, temos os arquétipos do Caos, aqueles que desafiam a Ordem vigente. Na Disney, que vem fazendo um ótimo trabalho em remodelar o arquétipo da princesa, na minha opinião, temos Merida, a princesa escocesa de Valente. Ao se ver obrigada a casar-se com um primogênito de outra casa real, ela se revolta com a ideia de não poder escolher seu amor, seu destino. Na competição de arco e flecha, fica claro que nenhum dos pretendes está à altura dela ou são o que ela deseja. Após os três atirarem suas flechas, ela surge, subitamente, ergue a bandeira e diz:

— Eu sou Merida, primogênita do clã DunBroch. E pela minhã própria mão eu vou lutar.


  Essa é a cena e a frase mais marcante do filme pra mim. É nesse momento que Merida, literalmente, toma para si seu futuro, suas escolhas e deixa, publicamente claro, que ela não é propriedade de sua mãe, dos outros clãs, nem de ninguém.
  A mulher, para ser reconhecida, precisa mostrar que ela é mais do que uma sombra. Em muitas culturas, a natureza social e espiritual era matriarcal. Cultuava-se a Deusa em primeiro lugar. Posteriormente, com o advento do patriarcado, a mulher foi rebaixada à posição de serva. E é somente assim que o patriarcado se satisfaz em sua arrogância e fragilidade inconsciente em relação aos seus iguais. Colocando-os em posição inferior, para que não ousem colocar-se lado a lado com eles. Mesmo depois da conquista da educação, do voto e do mundo profissional, a mulher ainda sofre influência pesada e restritiva da ideologia patriarcal. É preciso que as mulheres saibam que ter uma identidade e personalidade desagradável para alguns ou muitos homens é direito seu. Precisa aceitar-se. Precisa liberta-se da ideia de que ela precisa ser apreciável e desejável para um homem, de que sem isso ela não pode ser feliz. Precisa deixar de tratar o desejo masculino como necessidade. Precisa ser menos submissa e negar-se a ser filtrada pelos homens. Boa parte da sua tensão irá embora quando perceber que ela é perfeita do jeito que é. E quando ela tomar ciência de que o outro é um complemento, não uma necessidade, mais o outro a respeitará e saberá que ele precisa estar à sua altura para um relacionamento e não o contrário, como é o padrão.



 A mulher tem o direito de satisfazer-se sexualmente. Mais que isso, de sentir tanto prazer quanto dá. O homem tem tanta responsabilidade em dar um orgasmo à sua parceira quanto o contrário.
  Não há escravos em nossa sociedade, além dos que se permitem acorrentar. Como diria Crowley: "Os escravos servirão". E em nossa sociedade, sempre há quem deseje ser senhor de alguém.
  Quando o sexo feminino se liberta de suas amarras, a primeira medida de segurança social é a desvalorização. Assim como os escravos sofreram com a liberdade, a mulher livre sofre para ser reconhecida como uma igual. Sofre como um escravo recém-liberto. O reconhecimento depende da visão e percepção alheia. Mas essa visão sempre é um reflexo da nossa visão interior. O mundo é um grande reflexo do nosso mundo interno. E a divisão das mulheres entre si não ajuda nesse processo. "Uma casa dividida não fica de pé". E enquanto houverem escravistas, haverão escravos imaginários e pessoas para acreditar nessa fantasia.
  Nenhuma mulher nasce em uma torre. Ela é colocada lá. Mas pode sair. Só não contaram isso à ela.



  Esse texto é uma homenagem à vocês mulheres, que lutam todos os dias pela sua própria liberdade, pela sua felicidade, por vocês mesmas. Não se permitam serem planetas. Sejam estrelas, tão brilhantes quanto o sol. Vocês tornam nosso mundo mais bonito. Feliz Dia Internacional da Mulher!


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