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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Meu nome é Legião, porque somos muitos



  O homem é por natureza um animal social. - Aristóteles


  Vemos, ao longo do tempo, que o ser humano teme a solidão desesperadamente. Quando diante do perigo e da fragilidade da sua individualidade, agrupa-se para que possa viver em segurança. Inicialmente, começaremos com a o pensamento da mente grupal, descrito por Le Bon:

"A peculiaridade mais notável apresentada por um grupo psicológico é a seguinte: sejam quem forem os indivíduos que o compõem, por semelhantes ou dessemelhantes que sejam seu modo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o fato de haverem sido transformados num grupo coloca-os na posse de uma espécie de mente coletiva que os faz sentir, pensar e agir de maneira muito diferente daquela pela qual cada membro dele, tomado individualmente, sentiria, pensaria e agiria, caso se encontrasse em estado de isolamento."


  Esse fragmento de texto de Le Bon, nos mostra o primeiro fator importante acerca do grupo. A simples formação grupal é capaz alterar a percepção, pensamentos e emoções dos presentes. Isso inclui excluir particulares internas e absorver particularidades externas. Temos exemplos claros disso, como quando garotos se juntam e agem como idiotas, pessoas que em torcidas organizadas agridem os outros, a disciplina militar que se manifesta no quartel. Essa questão da ação será abordada mais na frente.
  Ele também diz que um grupo é impulsivo e irritável. E que é quase que exclusivamente comandado por seu inconsciente. E, dependendo das circunstâncias, podem ser tão generosos quanto cruéis. Mas, seja qual for a ação, são imperiosos a tal ponto que nem mesmo o instinto de autopreservação é capaz de freá-lo. E isso também se percebe nos sacrifícios que os indivíduos fazem, sejam de si mesmos em prol do grupo ou daqueles que se coloquem contra ele. Não há necessidade de lógica ou provas para excitar um grupo, apenas ser capaz de riscar seu inconsciente com aquilo que ele detesta. Um grupo produz a sensação de invencibilidade e isso sustenta as ações "suicidas" e incrivelmente desrespeitosas de muitos grupos que vemos por aí. Uma mente grupal pode retroceder ao estado mais primitivo do ser humano, adquirir características animais e perder todos os traços civilizados e sociais que adquiriu ao longo da vida. Isso inclui o respeito pelo próximo e a valorização da vida.
  Vemos então, que os grupos possuem um pensamento próprio e homogêneo, capaz de anular a individualidade e canalizar seus atributos para a realização de seu intento. Como uma ideia vampirizando várias mentes ao mesmo tempo para se realizar através de vários corpos. Quase como se tivesse vida própria, né?! Bem... talvez tenha.



Os laços que unem um grupo

  No livro Psicologia das Massas, são citados dois laços emocionais de grupos artificiais (o Exército e a Igreja). Um é o laço com o líder e o outro são os laços com os demais membros do grupo. Dentro de um grupo, um líder possui liberdades que os demais membros sob seu controle não possuem, além do "direito" de manter sua individualidade enquanto o resto se ajusta às tendências. A posição de um líder lhe garante poder, admiração, sendo uma benção narcisista, que, ao mesmo tempo, desperta naqueles que se identificaram com a sua figura o desejo de tornarem-se líder e deixarem-se serem
liderados. Isso se observa no mito de Chronos, que castra seu pai Uranos e inicia à Era dos Titãs e, ao mesmo tempo, devora seus filhos para não ser destronado no futuro. Mostrando que o líder necessita sustentar e exibir seu poder constantemente para que não seja destronado. Dentro do exército, o poder é exibido através de uniformes, medalhas, estrelas e falos (^). Quando, por algum motivo, o laço com o líder é desfeito, como na sua morte, o caos desestrutura a organização do grupo. Aqueles que necessitam depositar sua força em algum símbolo de poder buscam incessantemente quem lhes possa indicar um caminho, alguém com cuja imagem possa servir como ideal do ego. Seus "irmãos" são descartados, pois, como iguais, não são aceitos em posições acima de si. Isso ocorre quando os laços que unem o grupo com o líder são mais fortes que os laços entre os demais membros. A partir daí, entendemos porque tantas guerras em nome de Deus foram travadas ao longo do tempo, já que o laço com um líder invisível e "superior" era mais forte que o laço entre "irmãos de jornada" que sustentava o respeito pela vida do próximo.
  Quando vários indivíduos querem a liderança que é deixada vaga, geralmente explodem conflitos. Freud afirma, em sua análise do mito do pai da horda primeva, que o líder subjuga na homogeneidade do grupo a libido de seus membros, enquanto é o único que está livre das amarras que tornam o resto dos membros um organismo homogêneo. Sua libido é reprimida, e o líder, sendo o único detentor de liberdade de ser, é amado, admirado e, ao mesmo tempo, odiado, mas respeitado. Quando não existe mais a figura castradora do líder ou ditador, essa libido reprimida é violentamente exteriorizada e busca a satisfação. Caso não seja possível abandonar o grupo, é natural que ela busque a única posição onde é possível se satisfazer. Na liderança deste.
  Entendemos então, porque é comum que tantos grupos se transformem em facções e se
fracionem depois da morte do seu fundador. No karatê, por exemplo, após a morte de Anko Itosu, Mestre da Escola Shorin-Ryu, sucessor de Matsumura, seus discípulos se desentenderam sobre a sucessão. Um dos alunos, Chibana Choshin assumiu como Grão Mestre e Funakoshi Gichin, não aceitando sua autoridade, vai embora e funda o Karatê Shotokan. Tenho certeza que vocês são capazes de pensar em outros exemplos sozinhos. Sem dúvida já presenciaram ou souberam de algum.
  Falamos um pouco do que um grupo é formado, o que os mantém unidos e, eventualmente, o que os desestrutura. Próximo texto, falaremos sobre seu modus operandi.

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